Imagem: Acervo pessoal (2023)

Serenata, você promete que minha vida irá mudar, será?

Vinicius de Souza
5 min readAug 27, 2023

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Sentado em minha mesa de escritório, branca, gélida e com marcas de uso, olho para uma tela de quinze polegadas e meia que não me mostra nada. Há trinta e sete minutos, meu olhar perdido circula no vazio grotesco de um dia igual a todos os outros, experimentados nos últimos quatro longos meses. Encontro naquele retângulo de cristal líquido e diversas camadas de vidro, um relógio digital que informa as horas, essas um tanto vazias, sem nenhuma perspectiva ou nexo. Ressuscito todas as lembranças possíveis, catando algo que me dê um pouco de acalanto, nesse emaranhado de d-e-s-c-o-n-e-x-o-s que explodem diante dos olhos.

Escrevo alguns rascunhos, tento me manter calmo, tento me manter lúcido, tenho que me manter orientado. Imediatamente: “Eu não sou suficiente”, “Amanhã vai ser diferente”, “Como explicarei as diversas ausências?”, “Abandonei as redes sociais”, “Posso passar a semana em casa?”, “Vamos entrar com Enalapril!”, “Eu não posso desistir agora.”, “Infelizmente pode causar os seguintes efeitos: diminuição da concentração, insônia, ansiedade, alteração do padrão de sonhos, sonolência, depressão, pensamentos anormais, agitação, amnésia, delírios, labilidade emocional, euforia, alucinações e psicoses.”, “Três vezes na semana, presencial!”, “Meu rim vai aguentar?”, “Você precisa decidir o que quer fazer”, “A medicação será alterada!”, “Hoje eu chorei apenas duas vezes”, “Consulta médica | médico | clínica | SUS | Explica do zero | Faz exames | Ambulatório | Não esquece da retirada mensal”, “Hoje vou ser simpático e falarei muito”, “Me enxergam como o bad vibes”, “Animação e alegria momentânea”, “Por que todos estão fugindo de mim?”, “Dezessete e quarenta, alívio e libertação”, “Tem justificativa?”, “Trouxe mais um problema para resolver”, “Que bom!”, “Tremores, tontura, fogacho, dor de cabeça, falta de estímulo, dores no corpo. Será que vai adiantar?”, “Não é possível prevenir efeitos colaterais”, “Escuto cem vezes a mesma música”, “Fluxo de pensamentos acelerados e incomuns”, “talvez eu precise conversar com um especialista”, “O MOTIVO DA MINHA PROCURA É AJUDA PARA SAIR DE CASA”.

Respondo diversas conversas, pois algumas pessoas ainda me procuram, mesmo que seja apenas para falar sobre trabalho ou trazer problemas que precisam ser resolvidos. Assim, passo a refletir sobre o que eu represento para algumas pessoas e percebo que sou um receptáculo de demandas, apenas. Com essa finalidade é esperado que eu busque a solução e auxilie qualquer pessoa que surgir em minha vida. Afinal, é esse padrão que eu conheço e alimento, desde sempre.

Transmito tudo o que sei, mas frequentemente acho estranho quando você não entende o que eu falo, por mais que utilize TODAS as ferramentas de comunicação disponíveis, todo o arcabouço das técnicas de expressão presentes no consciente e a habilidade de relacionamento interpessoal que adquiri em toda a trajetória até o momento. Sabe, ando falhando há tempos, me questionando diariamente, talvez eu não seja aquele sujeito merecedor que eu tanto construí em minha mente. Silêncio!

Resumo minha história como um oceano de impulsos. Alguns foram positivos, outros nem tanto. A jovialidade não auxiliou na tomada de decisões, aliás a pior forma de crescer e amadurecer, é acreditar cegamente que você é extremamente prudente, pois as armadilhas aparecem uma em frente a outra, durante o sinuoso trajeto que involuntariamente acreditei que era certo seguir.

Antes que eu precise me justificar, gostaria de dizer que eu não me sinto culpado pela tua intolerância. Tudo poderia ser diferente, pois essa era a intenção. O véu nebuloso da pior noite, encontrou a sua ânsia pelo fim. Foi certeiro! Nos convertemos em maiores inimigos, assim como naquelas batalhas dantescas, onde a única certeza é a eliminação do seu maior inimigo. Sem culpa, sem dor, sem lástima… El(a/e) precisa sumir de uma vez por todas.

Lembro de dois mil e treze, eu estava um caco. Um acontecimento até então inédito, tinha me virado do avesso e eu buscava razões para continuar. Tentei de tudo, numa lista que foi de chás milagrosos a uma efusiva lisergia branca, quase cristalina. Não deu muito certo. Acabei em uma sala, mal iluminada, com mobílias de um ambiente corporativo em decadência e gastando minhas poucas economias para tentar amenizar a dor que era encontrar com o meu self, completamente tresloucado. Foi uma barra tremenda, mas alguns meses depois, eu estava mais vivo, cintilando com minha nova skin e totalmente entregue ao embotamento emocional. O vazio se foi, afinal, não sentia mais nada.

Inconscientemente, minha vida chegou a esse ponto, por uma série de pequenas catástrofes emocionais que foram atingindo o meu vasto campo de centeio. Consegui organizar dois porcento de cem, nessa destruição lúdica crescente. É uma boa marca para quem estava naquele lugar horrendo, completamente abaixo dos limites naturais. Visualizo um novo caminho, pelo menos em meio período do dia, com isso, penso que já estou próximo a sentir o gosto abaunilhado de uma insólita era.

Novamente estou aqui. Escuto de ouvidos lacrados perguntas de cunho pessoal, me desconserto em responder aos monossílabos. A pessoa detentora da lucidez presente naquela sala, não aceita. Reitera as perguntas, laçando-as na velocidade e impacto de um poderoso raio laser. Restam poucos minutos, posso me esquivar ou responder. Quer saber, o que tenho a perder? Após esse insight miraculoso, uma enxurrada de verdades, saem como um gigantesco aerossol, pulverizando tudo aquilo que está ao redor, com a maior sinceridade já vista nos últimos anos.

Ao primeiro sinal do meu pedido de absolvição, considerei uma nova experiência ao ingerir aquela conhecida motivação em formato oblongo. Simbolicamente, existia agora uma lacuna menor e uma maior incidência em melhoria pairando em um cenário positivo. As lembranças de um passado sombrio e inversamente proporcional, permanecem gravadas em um local específico do meu consciente. Contudo, posso dizer que não me preocupo em acessá-las de vez em quando, pois rememoro o caminho e engajo novos ensaios sobre o que é construir-se e reconstruir-se, em meio ao caos de um mundo imperfeito que cobra um preço altíssimo para sermos apenas sujeitos triviais.

Autor: Vinicius de Souza

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Vinicius de Souza

Tem dias que eu curto escrever umas paradas. Já outros que procuro ler para poder criar mais estórias. Quer seguir? @vindesouza (: